Transição de carreira, o luto do processo

A transição de carreira pode ser comparada, inicialmente e em muitos aspectos, a um processo de luto. Mesmo quando a mudança é desejada e planejada, despedir-se de uma trajetória construída ao longo dos anos gera sentimentos de perda, insegurança e até de identidade abalada. Essa experiência, embora dolorosa, pode se transformar em um período de autoconhecimento e renovação, desde que seja encarada com estratégias que auxiliem na adaptação e no resgate do bem-estar emocional.

O Luto e Suas Fases na Transição

Primeiramente, vale lembrar as contribuições de Elisabeth Kübler-Ross, que, em sua obra On Death and Dying (1969), apresentou as cinco fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

Embora originalmente concebidas para a perda de entes queridos, essas fases se aplicam, de maneira adaptada, às mudanças significativas de vida, como a transição de carreira. Inicialmente, pode haver a negação do fim de uma era ou a recusa em acreditar que o antigo “eu profissional” deixou de ter espaço.

Em seguida, surgem sentimentos de raiva e frustração – tanto direcionados a si mesmo quanto ao sistema ou às circunstâncias que levaram à mudança. A fase da barganha pode se manifestar na busca por justificativas para permanecer em uma situação insatisfatória ou na esperança de que um esforço extra possa restaurar o status quo. Quando esses sentimentos não são geridos, podem evoluir para um estado depressivo, marcado pela baixa autoestima e desesperança. Por fim, a aceitação permite a reintegração de uma nova identidade profissional e a abertura para oportunidades que antes eram ignoradas.

A Visão de Bridges e a Transição como Processo

William Bridges, em seu livro Transitions: Making Sense of Life’s Changes (1991), enfatiza que a mudança externa (como a troca de emprego) é apenas uma parte do processo de transição; a outra parte, interna, envolve a reorganização do sentido de identidade e propósito.

Bridges argumenta que o “final, o período neutro e o novo começo” compõem os estágios pelos quais passamos. O período neutro, em particular, é um momento de vulnerabilidade, onde o antigo foi deixado para trás e o novo ainda não se consolidou. Esse intervalo pode ser visto como um “vazio” que, se não for bem compreendido e acolhido, pode se transformar em um estado de luto prolongado.

Dificuldades Comuns na Transição de Carreira

Entre os desafios emocionais e práticos que acompanham essa jornada, destacam-se:

  1. Perda de Identidade Profissional: Ao se desligar de uma carreira que, por muito tempo, foi o centro da identidade, é natural sentir que se perdeu parte de si mesmo. Autores como Erik Erikson já abordaram a importância da identidade na formação do ser humano, e uma mudança abrupta pode gerar uma sensação de vazio e desorientação.
  2. Medo do Desconhecido: A incerteza quanto ao futuro profissional pode ser paralisante. A insegurança em relação à capacidade de se reinventar e encontrar novas oportunidades pode levar à procrastinação e à autocrítica excessiva.
  3. Pressões Externas: Expectativas familiares, sociais e até financeiras podem complicar ainda mais o processo. Muitas vezes, a decisão de mudar é acompanhada de dúvidas sobre a viabilidade financeira ou de receios sobre o julgamento alheio.
  4. Falta de Rede de Apoio: A ausência de mentores ou de um grupo que compreenda as dificuldades da transição pode intensificar a sensação de isolamento e de estar “lutando sozinho” contra as adversidades.

Dicas para Enfrentar o Luto da Transição

  1. Reconheça e Aceite Seus Sentimentos: O primeiro passo é admitir que a mudança é acompanhada de um processo de luto. Permita-se sentir tristeza, raiva e medo, sem se julgar por essas emoções. Conforme sugere Brené Brown em seus estudos sobre vulnerabilidade, aceitar nossas emoções é essencial para desenvolver resiliência e autenticidade.
  2. Planejamento e Autoconhecimento: Investir tempo para refletir sobre suas habilidades, valores e paixões pode facilitar a reconexão com um novo propósito profissional. Ferramentas de autoconhecimento, como a análise SWOT pessoal (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), podem ajudar a identificar pontos de melhoria e áreas de interesse.
  3. Busque Apoio Profissional: A terapia, o coaching de carreira ou mesmo grupos de apoio podem oferecer o suporte necessário para lidar com a ansiedade e a incerteza. Um profissional especializado pode orientar sobre como transformar o sentimento de perda em uma oportunidade de crescimento.
  4. Aprenda com os Erros e Encare a Mudança como Crescimento: Carol Dweck, em Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso (2006), enfatiza a importância de adotar uma mentalidade de crescimento, onde os desafios são vistos como oportunidades de aprendizado. Cada obstáculo superado na transição pode fortalecer a confiança e abrir caminho para novas conquistas.
  5. Crie uma Rede de Contatos: Estabelecer conexões com pessoas que já passaram por transições similares pode oferecer insights valiosos e incentivar a troca de experiências. Participar de eventos, palestras e workshops relacionados à nova área pode facilitar a construção de um novo círculo social e profissional.
  6. Defina Metas Realistas e Prazo para a Transição: Dividir o processo em etapas menores e celebrar cada conquista ajuda a manter a motivação e a clareza dos objetivos. Estabelecer um cronograma pode tornar o desafio mais gerenciável, evitando que o sentimento de luto se prolongue por tempo indeterminado.
  7. Cuide do Corpo e da Mente: A prática regular de exercícios físicos, a alimentação balanceada e técnicas de meditação podem contribuir significativamente para a saúde mental. O equilíbrio entre corpo e mente é fundamental para enfrentar períodos de grandes mudanças com mais serenidade.

Considerações Finais

O luto de uma transição de carreira é um processo natural e, muitas vezes, inevitável. Como apontam diversos autores, como Kübler-Ross e Bridges, aceitar e compreender as diferentes fases desse processo é fundamental para que a mudança não seja encarada como uma perda irreparável, mas sim como uma oportunidade de renovação. A jornada pode ser repleta de desafios, mas também de descobertas e crescimento pessoal.

Ao adotar uma postura aberta, buscar apoio e investir no autoconhecimento, é possível transformar o luto em uma etapa crucial para a construção de um novo caminho profissional mais alinhado aos valores e desejos pessoais.

Em suma, enfrentar a transição de carreira com empatia e planejamento não só minimiza os impactos emocionais negativos, mas também potencializa o surgimento de uma nova identidade, enriquecida pelas experiências do passado e pelas possibilidades do futuro.

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